.
Mostrando postagens com marcador Contos. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Contos. Mostrar todas as postagens
Quero mais que se dane, pensou ele ao entrar no bar e pedir uma cerveja, Pode fumar aqui, pergunta mostrando o maço de FREE, esperando uma reação da garçonete com cara de sono e maquiagem borrada, Sim..., disse ela jogando o pano de prato úmido e fedido sobre o ombro, ele puxa o cinzeiro pra mais perto, bate com o filtro do cigarro no isqueiro e o leva a boca, um gesto maquinal, mas que tem um quê de poético, a chama faz a brasa, o trago é ardente e profundo, a baforada é pesada e a fumaça cinza se dissipa no ar junto de um sorriso de satisfação, Dia difícil, pergunta um cara com cara de dono de bar, Pra cacete, responde com cara de cara de mal, Imagino, ultimamente todo dia tem sido um dia difícil pra mim..., Pra nós, retruca ignorando, com cara de cara com problemas maiores. Entre as garrafas, refletido no espelho manchado, vê o próprio rosto e se lembra das propagandas ANTITABAGISMO que colocam nos maços de cigarro, um rosto cinza, sem vida, olhos tristes e fundos, que no fundo não representam nada, não dá bola, como disse ele, quer mais que se dane, não é, pois bem... vê uma barata percorrer as garrafas de cachaça, barata que fica maior dependendo da quantidade de bebida que cada frasco guarda em si, ele a segue calado, não quer fazer alarde para não perde-la de vista, é uma descoberta, uma epifania suja e alcoólica... só dele, sorri, com cara de cara de besta, traga, dá um gole na cerveja num copo de pingado, percebe a marca de uma digital no vidro baço do copo, não liga, a barata para, ele para... o cigarro apaga, o ventilador gira mais lento, a poeira se levanta estranhamente, com violência o jornal esmaga a barata entre a prateleira e a parede engordurada, o cara com cara de dono de bar sorri, Filho da puta, pensa ele, que cara mais filho da puta... guarda o cigarro no bolso da jaqueta jeans, joga uma nota de dez no balcão, valor do litrão, o cara com cara de dono de bar agradece, mas ele responde sem dó, mostrando desprezo, Vai tomar no cu.
O som dos remos, o som das águas
cortadas, o som da água ao bater no pequenino barco, o som dos pássaros
empoleirados em galhos as margens do rio, o som da vegetação que o circunda, o
som do vento que o rouba do silêncio bucólico... natureza.
Ao chegar ao centro do rio o homem atira para o fundo um
pequeno peso de ferro fundido, olha a sua volta, admira o silêncio que o
persegue desde que iniciou sua ida ao rio, desde que sairá de casa, desde que
nascera. Ouve pequenos murmurinhos uns dos peixes que vêm à tona em busca de
insetos, outros de pequenos dragões que voam rasos na superfície do rio, ou
então o som do rio correndo, singrando em direção ao declive de sua existência,
ao declive de sua extensão.
A minhoca sente o anzol penetrar-lhe a carne, sente o
húmus que mal digerido escorre por seus orifícios, sente o sabor da garoa sobre
a relva, sente ruminar forçosamente um alimento rico em nutrientes. A minhoca
sente o frio gélido do rio, sente seu túmulo aquático, sente sua morada úmida, muito
mais úmida que a terra que a gerou. A minhoca sabe de sua função.
O homem, meio velho, meio novo, meio do campo, meio do
urbano, meio bravo, meio calmo, vai a silêncio matutando, reflexionando o que
pode ou não fazer, o frio ente preciso nestes locais faz-se presente, abre ele
então uma garrafa de conhaque ascende o toco do cigarro, semimastigado, espera
a bóia denunciar a má sorte de um ou outro peixe, o sol mal despontou, mal
despertou de seu sono preciso de doze horas, seu sono é demasiadamente longo
para um ser de sua grandeza, determinante, O sol deveria ter uma vida menos
regrada, aparecer de vez em quando para um chá, quem sabe um café, pensava o
homem, às vezes é difícil viver por estas bandas, dizia consigo mesmo enquanto
fazia a carnificina das minhocas.
E lá esta ele, preciso como ele só, gigante e quente,
belo e único, forma de grande extensão, grande pai de vida e luz.
A minhoca não se afoga, não consegue morrer antes de um
fim tão dilacerante, tão cruel, vem das águas profundas e turvas um peixe de
proporções mitológicas, tão rápido, dá sua primeira dentada, a minhoca luta sem
forças, erguendo sobre o aço cirúrgico um naco de corpo, debatendo-se,
gritando, um som enigmático, um som que as águas não permitem chegar aos
ouvidos do homem, pois se fossem as águas dilatadoras de sons, a minhoca
gritaria seu grito de minhoca tão alto que o homem correria em seu socorro, o
peixe deu a volta, volta mais rápido que no primeiro golpe, arranca outro naco
de minhoca, os restos que lá ficaram é a cabeça, parte do abdômen, o peixe tal
a baleia que engoliu Jonas regressa e de um único golpe engole os restos de
minhoca que eram presos ao anzol, dado ao homem por seu pai, um tio... a bóia
afunda, o homem se levanta, a bóia afunda novamente, o homem dá pulinhos de
alegria, se ergue, se estica, se aumenta, dobra seu tamanho, vê o tamanho de
sua pesca, dá um grito, um grito que se minhoca o tivesse não seria janta,
almoço de peixe de rio ou oceano, passa à hora, passam as horas, lá esta o
homem disposto e feliz com sua pesca colorida e soberba, na boca horrenda do
peixe vê-se inda um resto de minhoca, sem grito, sem vida, o peixe sabe de sua
função.
ou canto ao tempo
Na entrada do casebre ergueu a barra do vestido à altura
dos joelhos e sentou-se num dos três degraus debaixo da alpendrada, despejou os
grãos dentro do pilão e o acomodou entre as grossas e torneadas coxas. Socando
e torcendo enquanto o suor lhe umedecia o peito despertando um par de mamilos
agudos e delicados, assim, cantarolava cantigas que aprendera com a avó materna
escrava de um ontem meio que distante, porém tão próximo que ela, neta delgada,
morena jambo, entardecer sobre mobília de jacarandá polido, ainda guarda nas
costas as marcas da infância de grilhões e pelourinho.
Esmigalha os grãos já torrados e selecionados, o som do
pilão é uníssono, assim como todo entardecer antes de ser engolido pelo lago e
pela mata, assim como o cantar das lavadeiras, o som se perpetua fazendo-se
parte de um coro de maritacas e araras azuis em revoada, o som das chinelas (em
revoada) se empalham pela cozinha, a água no fogão a lenha borbulha, o som
típico denuncia o tempo, estalos da madeira verde.
Apanha o coador de saco num armário de cor rosa
descascado, despeja o pó dos grãos de café por ela moído, despeja a água
fervente e a tintura escorre para dentro de uma chaleira improvisada, sente
dentre o aroma do café o cheiro da pesca, ouve entre os cantos dos pássaros o som
do remo, sente o toque delicado da chalana no pequeno cais na beira do lago,
sente o braço peludo e musculoso do pescador lhe agarrar por trás, sente o
fluido escorrer por entre as pernas, já que calçolas não usava, sente os dedos
grossos e sisudos percorrerem os pêlos eriçados, o aroma do café adentra a
narina aberta, a barba roçando a nuca, o contorcer do pilão e as duas cinturas
se unem, sente o membro rijo tocar-lhe as nádegas úmidas, sente o gosto da
língua, da cachaça, um desmaio, um breve e delicado desmaio, e, desperta na
cama ouvindo o som do remo, e, o canto da maritaca se distanciando, se
distanciando, se distanciando em revoada.
o conto O Pilão fez parte da coletânea de autores Entrelinhas, Andross Editora