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ou canto ao tempo
Na entrada do casebre ergueu a barra do vestido à altura
dos joelhos e sentou-se num dos três degraus debaixo da alpendrada, despejou os
grãos dentro do pilão e o acomodou entre as grossas e torneadas coxas. Socando
e torcendo enquanto o suor lhe umedecia o peito despertando um par de mamilos
agudos e delicados, assim, cantarolava cantigas que aprendera com a avó materna
escrava de um ontem meio que distante, porém tão próximo que ela, neta delgada,
morena jambo, entardecer sobre mobília de jacarandá polido, ainda guarda nas
costas as marcas da infância de grilhões e pelourinho.
Esmigalha os grãos já torrados e selecionados, o som do
pilão é uníssono, assim como todo entardecer antes de ser engolido pelo lago e
pela mata, assim como o cantar das lavadeiras, o som se perpetua fazendo-se
parte de um coro de maritacas e araras azuis em revoada, o som das chinelas (em
revoada) se empalham pela cozinha, a água no fogão a lenha borbulha, o som
típico denuncia o tempo, estalos da madeira verde.
Apanha o coador de saco num armário de cor rosa
descascado, despeja o pó dos grãos de café por ela moído, despeja a água
fervente e a tintura escorre para dentro de uma chaleira improvisada, sente
dentre o aroma do café o cheiro da pesca, ouve entre os cantos dos pássaros o som
do remo, sente o toque delicado da chalana no pequeno cais na beira do lago,
sente o braço peludo e musculoso do pescador lhe agarrar por trás, sente o
fluido escorrer por entre as pernas, já que calçolas não usava, sente os dedos
grossos e sisudos percorrerem os pêlos eriçados, o aroma do café adentra a
narina aberta, a barba roçando a nuca, o contorcer do pilão e as duas cinturas
se unem, sente o membro rijo tocar-lhe as nádegas úmidas, sente o gosto da
língua, da cachaça, um desmaio, um breve e delicado desmaio, e, desperta na
cama ouvindo o som do remo, e, o canto da maritaca se distanciando, se
distanciando, se distanciando em revoada.
o conto O Pilão fez parte da coletânea de autores Entrelinhas, Andross Editora
Embora a vida não me trate com amor, eu não me canso de viver, não me canso de querer ser da vida vivedor - Sérgio Cassiano!
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