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O som dos remos, o som das águas
cortadas, o som da água ao bater no pequenino barco, o som dos pássaros
empoleirados em galhos as margens do rio, o som da vegetação que o circunda, o
som do vento que o rouba do silêncio bucólico... natureza.
Ao chegar ao centro do rio o homem atira para o fundo um
pequeno peso de ferro fundido, olha a sua volta, admira o silêncio que o
persegue desde que iniciou sua ida ao rio, desde que sairá de casa, desde que
nascera. Ouve pequenos murmurinhos uns dos peixes que vêm à tona em busca de
insetos, outros de pequenos dragões que voam rasos na superfície do rio, ou
então o som do rio correndo, singrando em direção ao declive de sua existência,
ao declive de sua extensão.
A minhoca sente o anzol penetrar-lhe a carne, sente o
húmus que mal digerido escorre por seus orifícios, sente o sabor da garoa sobre
a relva, sente ruminar forçosamente um alimento rico em nutrientes. A minhoca
sente o frio gélido do rio, sente seu túmulo aquático, sente sua morada úmida, muito
mais úmida que a terra que a gerou. A minhoca sabe de sua função.
O homem, meio velho, meio novo, meio do campo, meio do
urbano, meio bravo, meio calmo, vai a silêncio matutando, reflexionando o que
pode ou não fazer, o frio ente preciso nestes locais faz-se presente, abre ele
então uma garrafa de conhaque ascende o toco do cigarro, semimastigado, espera
a bóia denunciar a má sorte de um ou outro peixe, o sol mal despontou, mal
despertou de seu sono preciso de doze horas, seu sono é demasiadamente longo
para um ser de sua grandeza, determinante, O sol deveria ter uma vida menos
regrada, aparecer de vez em quando para um chá, quem sabe um café, pensava o
homem, às vezes é difícil viver por estas bandas, dizia consigo mesmo enquanto
fazia a carnificina das minhocas.
E lá esta ele, preciso como ele só, gigante e quente,
belo e único, forma de grande extensão, grande pai de vida e luz.
A minhoca não se afoga, não consegue morrer antes de um
fim tão dilacerante, tão cruel, vem das águas profundas e turvas um peixe de
proporções mitológicas, tão rápido, dá sua primeira dentada, a minhoca luta sem
forças, erguendo sobre o aço cirúrgico um naco de corpo, debatendo-se,
gritando, um som enigmático, um som que as águas não permitem chegar aos
ouvidos do homem, pois se fossem as águas dilatadoras de sons, a minhoca
gritaria seu grito de minhoca tão alto que o homem correria em seu socorro, o
peixe deu a volta, volta mais rápido que no primeiro golpe, arranca outro naco
de minhoca, os restos que lá ficaram é a cabeça, parte do abdômen, o peixe tal
a baleia que engoliu Jonas regressa e de um único golpe engole os restos de
minhoca que eram presos ao anzol, dado ao homem por seu pai, um tio... a bóia
afunda, o homem se levanta, a bóia afunda novamente, o homem dá pulinhos de
alegria, se ergue, se estica, se aumenta, dobra seu tamanho, vê o tamanho de
sua pesca, dá um grito, um grito que se minhoca o tivesse não seria janta,
almoço de peixe de rio ou oceano, passa à hora, passam as horas, lá esta o
homem disposto e feliz com sua pesca colorida e soberba, na boca horrenda do
peixe vê-se inda um resto de minhoca, sem grito, sem vida, o peixe sabe de sua
função.
Embora a vida não me trate com amor, eu não me canso de viver, não me canso de querer ser da vida vivedor - Sérgio Cassiano!
4 comentários to "Seleção Natural"
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Lembre-se o que você lê aqui é real apenas no mundo da ficção.
Seja humano e trate a Arte com humanidade.
Unknown says:
Nunca ...mas nunca vi a minhoca por esse ângulo...Adorei...Abraços meu amigo.
Unknown says:
Adoreiiiii o texto.
Muito criativo.
Unknown says:
Adoreiiiii o texto.
Muito criativo.
Unknown says:
Adoreiiiii o texto.
Muito criativo.