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CHEIRO DE LIVRO ANTIGO


Para Antônio Carlos Benedetti

Senti um aroma suave hoje de tarde, o céu acinzentou, calado chorou. Senti um aroma suave de antigo, de algo muito velho, não parecia cheiro de roupa guardada, não... não era tão forte assim. Também não era um cheiro de casa muito tempo fechada..., parecia um cheiro de livro antigo, bem guardado, bem conservado. Não estava muito frio, mas parecia que sim..., a chuva escorria pela janela, dava pra ver o vento balançar as árvores, um balé lento e melancólico.

Vi uma rosa branca murcha ao caminha por uma das ruelas do cemitério.

Gosto de caminhar pelas ruelas de cemitérios. Parece tão mórbido, não é? Mas eu gosto. É que hoje faleceu a mãe de um grande amigo, tão amigo que quis o destino e o Grande Arquiteto do Universo, que eu o chame de Irmão...

Irmão!

Assim eu o chamo, como chamo muitos outros homens, homens que admiro profundamente.

Pensando bem..., se o Grande Arquiteto, que é Deus, quer mesmo que eu o chame de Irmão, hoje então faleceu também a minha mãe.

Acendi um cigarro... e caminhei sozinho pela Necrópole.

Senti um cheiro macio de algo muito antigo, o cheiro da Morte.

Essa Donzela que caminha de preto pelas ruas do destino, com suas agulhas e a linha da vida das pessoas, linha essa que tricota incansavelmente e hora ou outra, com sua tesoura de prata, corta um fio aqui e outro ali. Essa Donzela que exala de seus seios um aroma de velas que se apagam e flores que murcham, misturados com fins de tardes chuvosos e mornos.  Eu a vi caminhar pela ruela de paralelepípedos do Tempo, olhou suavemente para um linda senhora que estava sentada em sua cama e sorriu. Dois pássaros, muito coloridos, desceram de uma amoreira e pousaram no travesseiro, piavam delicadamente e comeram algumas sementes, que a senhora ofertava com as mãos em forma de cunha.

A Morte foi e se juntou a eles, pousou uma de suas mãos sobre um dos ombros da Senhora, e murmurou algo inaudível em seus ouvidos... a senhora sorriu, e num gesto delicado levou um dos pássaros para perto da Morte, fez um sinal de sim para ela e voltou seu olhar para um retrato de família que descansava num criado mudo, que mudo a tudo assistia.

A Morte levantou, depois a senhora, os pássaros levantaram voo levando com eles uma Alma de Luz, a Morte olhou pra mim... calado eu estava, calado eu fiquei..., ergueu uma de suas mãos e me fez um gesto de silêncio, se virou e caminhou por entre os túmulos até desaparecer entre as árvores, que fazem sombras aqueles que para sempre descansam.

Sentei, acendi um cigarro... e pedi, em forma de oração, que ao chegar minha hora Ela venha da mesma maneira, com suas agulhas de tricotar e seu cheiro de livro antigo.


Ir. Flávio Ferreira de Melo
ARLS Luz do Ocidente Nº 2706
Or. De São Caetano do Sul – SP

28/09/2017 – 18h45min


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